1-"A humanidade é desumana"

24/06/2010 03:37


Os discursos sobre as desigualdades socioeconômicas circulam tanto quanto uma sub-zero (até o nome de um ninja azul foi roubado...) num boteco. A mortalidade humanóide vai muito além da morte física. Temos as famosas mortes de cunhos sociais, econômicas, também morais. A miséria é uma fusão de tais mortes.
Passo minhas palavras para aquele excêntrico bigodudo alemão:
 
“Talvez nada separe os homens e as épocas a não ser os diferentes graus de seu conhecimento da miséria: tanto a da alma como a do corpo. No que se refere a esta última, nós, homens de hoje, apesar de todas as nossas fraquezas e nossas enfermidades, por causa de nossa falta de experiências sérias, talvez todos nos tornamos ignorantes e fantasiosos: em comparação com uma época do temor – a mais longa da humanidade – quando o indivíduo devia proteger a si mesmo contra a violência e era obrigado, para esse fim, a ser ele mesmo contra a violência e era obrigado, para esse fim, a ser ele próprio violento. Nessa época o homem fazia um duro aprendizado de sofrimentos físicos e de privações e encontrava, numa certa crueldade para consigo mesmo e no exercício voluntário da dor, um meio necessário à sua conservação; então se educava seu meio a suportar a dor, então se gostava de provocar a dor e se via os outros serem atingidos por aquilo que há de pior nesse gênero, sem experimentar outro sentimento que não fosse o da própria segurança. Quanto a miséria da alma, examino agora cada homem para me dar conta se ele a conhece por experiência ou por descrição; se julga ser necessário, por exemplo, simular o conhecimento dessa miséria, para testemunhar certa cultura ou se, no fundo da alma, se recusa a acreditar nas grandes dores da alma e se, quando se mencionadas em sua presença, não se passa nele qualquer coisa de análogo ao que acontece quando lhe falam de sofrimentos físicos – pensa então logo em suas dores de dente e de estômago.”
(Nietzsche, A Gaia Ciência, I:48)
 
A má distribuição de renda: muita concentração de capital nas mãos de poucos; a miséria é cada vez maior, incalculável; os bolsões de miséria assustam, deixam as pessoas indignadas – é difícil respirar em meio à desumanização, onde a realidade é triste e cruel; é o resultado do sistema capitalista devorador, consumidor, alienador, que sobe e desce, com seus momentos, ora apoteóticos, ora em crises nervosas que explodem ferozmente. Sem contar o aquecimento global (que só o pai do Bush não acredita); problemas ambientais e socioeconômicos juntos. As "bravas" colonizações, as relações de poderes sobre outrem, eis aonde estamos: “O povo que subjuga outro, forja suas próprias cadeias.” (Marx). Estamos na dita era pós-moderna – a era das promessas, a era de que todos seríamos iguais. Isso é uma era que “já era” (ou quem nunca foi).
Quando o Sol Bater... um “Sol” que não é para todos, não – Legião Urbana resumiu assim a miséria do homo sapiens: “A humanidade é desumana.”
Estaríamos voltando a “barbárie”? Ou será que a civilização ainda é um projeto utópico? Violências e descrenças, eis o mundo globalizado.
Tem que ser um otimista a lá Pangloss para afirmar que “este é o melhor dos mundos possíveis.”